terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Entrevista com uma psicóloga sobre o primeiro dia de aula

Transcrição de uma entrevista concedida à jornalista Paula Martins, da Revista "Bebé D'hoje", em agosto de 2006.
O tema pode ser bastante proveitoso para os pais de crianças que estão prestes a ingressar em uma creche ou infantário após este verão.
Paula Martins: O tema do trabalho é sobre o primeiro dia da criança na creche ou infantário após as férias de Verão. O que, para muitas crianças, é mesmo o primeiro dia que vão à escola (os pais deixam passar as férias grandes para fazer a matrícula no novo ano escolar). Esta situação gera ansiedade nos pais e nas crianças. Como poderá ser amenizada (o que fazer)?
Annie Romantini: A decisão de colocar o filho na escola deve resultar de atitude pensada, consciente e segura. Se os pais confiam na escola, sentirão segurança na separação e esse sentimento será transmitido à criança, que suportará melhor a nova situação.Os pais devem ter a consciência que a escola será boa para o seu filho, não só pelo facto deles poderem ir trabalhar tranquilamente mas, principalmente, porque a escola estimulará o desenvolvimento de seu filho em muitos aspectos: afectivos, sociais, físicos e cognitivos. Esta consciência torna mais fácil encarar e resolver a situação, já que muitas crianças apresentam dificuldade de adaptação mais por uma ansiedade dos pais, principalmente da mãe, do que por qualquer outro motivo.A ida da criança para a escola deve ser preparada; entretanto, devem ser evitadas longas explicações para ela, pois isso pode despertar suspeitas e insegurança. Apenas se deve responder naturalmente o que ela quiser saber.Cuidados devem ser tomados nesse período inicial (adaptativo) em relação a: troca recente de residência, retirada de chupeta ou fraldas, troca de mobília do quarto da criança, perda de parente próximo ou animalzinho de estimação.Também deve ser observada com especial atenção a criança entre os 8 meses e os 12 meses. Em geral, até os sete meses não há apresentação de problemas de adaptação, pois o bebé não distingue, visualmente, a sua mãe de outros adultos estranhos, sugere-se dois ou três dias para adaptação da mãe. A partir dos 8 meses verifica-se o "estranhar" (nível de maturação que permite ao bebé distinguir a diferença visual entre o conhecido e o desconhecido). Nessa época a adaptação pode ficar mais difícil e levar alguns dias.
P.M.: Quanto às reacções das crianças: umas choram muito, outras não, como lidar com a situação?
A.R.: O choro na hora da separação é comum e frequente e nem sempre significa que a criança não queira ficar na escola. Por outro lado, a ausência do choro não significa que a criança não esteja sentindo a separação. Na maioria dos casos, por mais traumático que seja o momento da separação, assim que os pais vão-se embora, as crianças deixam de sofrer e ficam tranquilas e confiantes naquele ambiente desconhecido e que oferece tantas novidades a serem exploradas! No entanto, é muito importante que as particularidades de cada criança e de sua respectiva família sejam observadas.Não há uma fórmula mágica que garanta que tudo corra bem nesta fase inicial, é preciso que pais e educadores fiquem atentos ao processo de adaptação da criança e sua família.
P.M.: Li que existe um período de adaptação de mais ou menos 2 semanas, no qual é normal que as crianças chorem...
A.R.: O período de adaptação varia de criança para criança, é único e deve ser avaliado individualmente. Havendo possibilidade, a criança pode começar esse período de adaptação aumentando gradualmente o número de horas que passa na creche, ou infantário, até atingir o horário regular estabelecido, podendo ter presente a pessoa que o está acompanhando (pai, mãe, avó, etc.). Durante estes dias já vai se criando uma rotina onde a criança consegue prever a hora de ir embora e reencontrar a pessoa querida. O pai, a mãe, ou seja quem for que vá levar a criança à casa, nunca deve chegar atrasado ao final do período para buscá-la! Mas nesta fase de adaptação, isto é ainda mais importante!
P.M.: O que se pode fazer para que a adaptação seja mais fácil, o que dizer e como se devem os pais comportar ? Sei do caso de uma mãe que ao mesmo tempo que incentiva a filha a entrar na sala de aula a agarra com força ao colo, isso deve gerar uma confusão muito grande na criança, são duas informações opostas…
A.R.: Deve-se incentivar, com carinho e paciência, e jamais forçar com violência e ansiedade, a criança a ficar na escola, pois isto só aumentará a sua angústia.Cabe à mãe entregar a criança ao educador, colocando-a no chão e incentivando-a a ficar na escola. Não é recomendável deixar o educador com o encargo de retirar a criança do colo da mãe.Os pais nunca devem sair escondidos de seu filho, isto é um grande erro! Devem despedir-se naturalmente. Os pais devem incentivar a criança a procurar a ajuda do seu educador quando necessitar de algo, para que crie um laço afectivo com ele.Deve-se evitar comentários sobre a adaptação da criança em sua presença.
P.M.: Parece-me que o comportamento dos pais é determinante para a relação futura de uma criança com a escola (e com a vida em geral)…
A.R.: Certamente que sim! Há vários estudos que encontraram relações positivas ao investigar a ansiedade dos pais e a adaptação de seus filhos à escola.
P.M.: Levar o filho à escola e ir buscá-lo, transmitir confiança e segurança é o papel dos pais ou de alguém próximo da criança. É boa política ficar com a criança na sala de aula durante os primeiros dias?
A.R.: Há crianças que já no primeiro dia se despedem da mãe e se integram com as outras crianças, neste caso não há a necessidade de permanecer com ela na sala de aula.No caso da criança mostrar-se muito ansiosa, com medo, enfim, havendo a necessidade, pode-se recorrer a um programa de adaptação onde o responsável por ela possa permanecer na sala de aula ou, dependendo das regras da escola, fora da sala, mas num lugar visível para a criança, num pátio ou mesmo à porta da sala, por algumas horas nos primeiros dias. Algumas escolas poderão não permitir a presença de outras pessoas na sala de aulas ou de actividades, por entenderem que isso pode dificultar a compreensão da separação e fazer com que outras crianças, que estão mais adaptadas já, também cobrem a presença dos seus pais ou de alguém conhecido.
P.M.: Qual será o papel dos educadores para tornar a adaptação mais fácil? (as novas correntes educativas apelam à uma maior proximidade emocional com as crianças, coisa que não era muito importante há uns anos atrás...)
A adaptação da criança está na dependência da orientação da educadora, que deverá conhecer suas necessidades básicas, suas características evolutivas e ter informações quanto aos aspectos de saúde, higiene e nutrição infantil (todas estas informações devem ser passadas pelos pais em entrevista prévia com a direcção através de anamnese). Sendo assim, a socialização da criança desenvolve-se harmoniosamente adquirindo superioridade sob o ponto de vista da independência, confiança em si, adaptabilidade e rendimento intelectual.As actividades programadas devem basear-se em suas necessidades e interesses; crianças são ávidas para explorar, experimentar, coleccionar, perguntar, aprendem depressa e desejam exibir suas habilidades.As actividades que estimulam a percepção visual, percepção visomotora e coordenação motora, percepção auditiva, linguagem oral , percepções gustativas e olfactivas, percepção táctil, Educação Artística e Educação Física integram o processo de aprendizagem da criança com o processo de socialização.Caberá à pré-escola estimular e orientar a criança, considerando os estágios de seu desenvolvimento, aceitando-a e desafiando-a a pensar. O ambiente que estimule a actividade criadora da criança, além de contribuir para o seu desenvolvimento global, estará, certamente, favorecendo a aproximação da criança à realidade escolar.Saliento que o desenvolvimento da criança deve ser acompanhado principalmente pelos pais pois a escola é apenas um suporte facilitador para todo o processo. Os pais também devem acompanhar a rotina da criança através dos recursos que a escola deve disponibilizar (como uma agenda escolar, por exemplo, onde sejam anotados recados para os pais ou comunicações sobre o dia da criança) e do diálogo aberto com os educadores.
P.M.: As adaptações difíceis à escola também podem ser trabalhadas psicologicamente? Como? (Há casos de crianças que vomitam, choram, têm diarreias durante mais tempo do que o aceitável para a adaptação, chega a ser uma situação patológica, porque é que acontece e como pode ser resolvida? )
A.R.: Poderão ocorrer algumas regressões de comportamento durante o período de adaptação, assim como alguns sintomas psicossomáticos (febre, vômitos etc.). Existem muitos factores em jogo e a primeira coisa que os pais devem fazer para tentar solucionar o problema é observar e conversar com seus filhos, buscando as “causas reais”. Devem também se lembrar que as férias trazem maior liberdade com horários, maior convivência com os irmãos e primos, um relaxamento das exigências com horários e obrigações diárias, maior atenção familiar à criança, já que normalmente os pais (ou ao menos a mãe) estão mais presentes. Custa muito perder isso tudo! É importante recordar também que, mesmo que a escola seja a mesma, as crianças sabem que as exigências pedagógicas serão gradativamente maiores e ela pode não se sentir à altura de atender a mais essa demanda. No caso de ter havido mudanças de escola, ou na escola (troca de professores, por exemplo), há uma ansiedade natural frente ao desconhecido e pior será se forem novos os futuros coleguinhas!É importante lembrar que questões ligadas à violência escolar, não devem ser descartadas a priori.De modo geral, uma boa parte dos casos se resolve conversando, buscando as razões da criança e colocando para ela, com afecto e calma, a realidade da situação: a eventual professora desconhecida vai se tornar tão amiga quanto a já conhecida, as dificuldades escolares são graduadas de acordo com o já ensinado no outro semestre e todas as crianças mais velhas já passaram por isso; os finais de semana vão propiciar de novo esses maravilhosos momentos de encontro familiar, mais amigos vão chegar e se juntar aos antigos, etc.Entretanto, existe sempre uma parcela de crianças queixosas que continua resistente a mudar esta sua posição. Quando as crianças demonstram medo ou sofrimento na volta às aulas e todos os esforços familiares parecem inúteis, é indicado procurar o olhar profissional de quem entende de desenvolvimento infantil, um psicólogo ou psicopedagogo.
O texto da jornalista Paula Martins, baseado nesta entrevista e no restante material por ela recolhido, foi publicado na edição de setembro da Revista Bebé D'hoje.
Dra. Annie Raquel Romantini
Psicóloga

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